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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Aconteceu

Aconteceu
Eduardo Potiguar

Aconteceu!
Pegou-me de surpresa,
Enrubesceu,
Deixou-me sem jeito
Esse jeito seu,
Devagarzinho foi se chegando
Procurando um canto
Ao lado meu.

Aconteceu!
Lembro-me o tempo todo,
Se não é seu...
Onde estou? Quem sou eu?
Então vou criando, fantasiando,
Vou aguardando o que não é meu.
E de repente já me perguntam...
O que está esperando tanto?
E prontamente eu lhes respondo...
Ansiosamente outro beijo seu.

domingo, 25 de abril de 2010

Apenas Timidez


Apenas Timidez
Kid Abelha
Composição: Paula Toller/ George Israel


Eu sei que eu poderia estar falando alto ou gritando
Soltando a minha voz aguda e rouca pelo ar
E sei que poderia agora estar cantando Mostrando a todos como é bela a minha dor

Confesso entretanto que sou incapaz
De anunciar assim o que eu sinto
Prefiro esperar sozinho por você
Pois só você entende o que eu digo

Eu bem que poderia freqüentar todos os bares
Tentando exorcizar um pouco o que sofri
Andar de mesa em mesa
Tropeçando e bebendo
Chorando e contando a minha triste estória
A quem quisesse ouvir

Confesso entretanto que sou incapaz
De jogar fora assim as minhas lágrimas
Prefiro dormir sozinho no quarto
Talvez eu esteja bem melhor ao acordar

Não pense que é covardia
É apenas timidez
Só me serve a sua companhia

Eu sei que eu poderia estar vivendo um romance
Escrevendo a cada dia uma página da minha futura biografia
E até que poderia também tentar um suicídio
E assim saciar a sede de sangue da humanidade

Confesso entretanto que sou incapaz
De exibir assim minhas marcas nos jornais
Prefiro deixar o tempo passar
Quebrando uns pratos até você chegar

Não pense que é covardia
É apenas timidez
Só me serve a sua companhia

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Olhar Fixo É Estar Longe

OLHAR FIXO É ESTAR LONGE

do livro "O Amor Esquece de Começar"
Fabrício Carpinejar

O que as mulheres pensam; não há como dizer o que as mulheres pensam. Posso dizer o que a minha mulher pensa, e ainda assim correr o risco de pensar por ela. Pensar por ela não é desejar com ela.

As mulheres não são uma única mulher. As mulheres amadurecem conforme a intensidade da descoberta. Cada infância será uma velhice diferente; cada adolescência, uma revolta diferente. Cada paixão conduzirá a boca a abrir de um lado. Cada ventre exigirá uma dilatação distinta. Cada cheiro mudará a palavra.

A mulher não procura ter tempo para cuidar do tempo, procura o tempo para consumi-lo. O que fazer com o tempo que não foi gasto? O tempo perderá o valor se não for utilizado.

O homem que fala para todas as mulheres não fala para nenhuma. A impessoalidade é superficial como o inferno. É um erro repetir a mãe na esposa, repetir a esposa na amante, repetir a filha na neta, repetir amores como se não existisse diferença. A vida é confronto, não se conforma com tréguas.

Uma mulher não suporta a idéia de ser igual a todas; ninguém suportaria. As mulheres não são unânimes; são discordantes entre si.

Quantos idiomas morreram pela crença de que as mulheres são uma única mulher?

Uma mulher é porta onde se via parede, é vidro onde se via espelho. Assemelha-se a um livro líquido. Não há como emprestar ou guardar. As páginas mudam de inopino sua numeração. Não há como fixá-las e marcar os parágrafos. É para ler tudo no momento, pois amanhã será outro livro e autora. Não se lê a água; a água escreverá sobre as mãos. A corrente fria e a quente se alternam, as estações se provocam e se completam.

Ainda não se compreendeu que o mundo não é separado por classes e gêneros. O mundo é misturado para que o detalhe se imponha. Nem tudo pode ser dividido entre banheiro feminino e banheiro masculino. Não existe conversa de mulher ou papo de homem. O fogo não pergunta o sexo para alumiar, a árvore não pergunta o sexo para dar sombra, o mar não pergunta o sexo para correr.

A mulher só é estrangeira com o homem dentro dela.

Toda Manhã

Poema lido por Ana Carolina em um Show:
TODA MANHÃ
do livro "O Amor Esquece de Começar"
Fabrício Carpinejar

A você, que tem um porta-retrato do filho ao lado do computador, com folhas atoladas na segunda gaveta, que não acredita em nada mais para não forçar a esperança a acreditar em você, que entrou neste livro talvez por acidente ou por curiosidade, que mal passou os olhos pela primeira linha e viu que não era com você, peço que fique mais um pouco para descobrir realmente que não é com você. Nada disso é com você; e tudo pode vir a ser. É com você, que nunca está satisfeita com a altura da cadeira, mas também não sabe como girar a manivela, que diminui os passos para escutar o bambu plagiando a chuva, que falo.

A você, que gostaria de ser mais percebida, mais elogiada, mais viva, que ninguém nota o vestido novo, o cabelo cortado, que chega ao trabalho pensando que causará outra impressão, e o espaço vai repetindo o dia anterior.

A você, que cuidou dos irmãos pequenos, que comprava cigarro para o pai e leite para a mãe, que teve que pular a janela para sair com os amigos.

A você que não está satisfeita com o emprego, com os hábitos, com o número das calças, com o guarda-roupa, com o guarda-chuva, que espera as próximas férias como um domingo prolongado, que gostaria de dormir mais e ser penteada pelo vento antes de acordar.


A você, cheia de expectativas, que se diplomou e pensou que tudo estaria resolvido, que se casou e pensou que tudo então estava pronto, que teve um filho e pensou que tudo estava chegando. Não a conheço, muito menos sei o que lhe aconteceu na infância, qual foi o primeiro namorado, a primeira transa, o primeiro choque, o primeiro porre, o primeiro do primeiro amor, o primeiro do último amor; é justamente a você que começo a escrever dentro de sua desistência.

A você, que nunca pensou que o riso também precisa de aquecimento para não se machucar em rugas, que deseja ler de manhã e viver o que se lê de tarde, e que não lê de manhã e nem vive de tarde, e sobra a noite para fazer de noite.


A você, que é uma promessa de cheiro, de chá, que coloca perfume nos pulsos e no pescoço, que tem receio de chorar onde não se chora, de falar o que não se deveria, que se controla e se autocensura para não se entregar.

A você, que passou a vida a disciplinar o desespero, que segura a bolsa perto do quadril, que é suave para olhar de canto.


A você, que está aqui e não se resolve, porque não é aqui que está, mas dentro daquilo que procura. Alguns procuram um endereço; outros, um sentido.

A você, que escuta o sangue e não entende.


A você, que quer explicações para não se contentar com relatórios, para não se apaziguar em brincadeiras, que não usa relógio para não ser infiel à aliança, que repara as laranjas germinando abelhas na hora do almoço.

A você, que não duvida ao assinar o nome, mas troca invariavelmente a data.


A você, que em toda manhã regressa de seu mais fundo e ninguém repara o seu esforço para subir à superfície.

A você, que parece sombra quando a água passa, que parece água quando a sombra senta; a você quero dizer: eu desapareço em você.